Véio Chico era força e festa, feito o rio que lhe dava o nome. De braços abertos e amizades em toda margem, baiano de jeito e alma, reza a lenda que certa feita improvisou de padre e casou dois amigos apaixonados, sem tempo pra agendar cerimônia alguma. No quintal de casa ergueu um altar com flores do campo, caprichosas mãos merendeiras e incumbiu-se do melhor da festa: um trio de forró pé de serra que fez da madrugada um alvoroço só! Dizem que foi um casamento tão feliz que, até hoje, ninguém esquece.
De manhãzinha, passava o café e postava-se na frente de casa pra cumprimentar o mundo. Era sagrado passar em frente à casinha azul e avistar o véio: cana no canto da boca, cigarrinho entre os dedos e um café pelando de quente na xícara: — Dia, meu fí!
Quando o relógio avançava rumo ao almoço, as crianças corriam da escola pra entrar na tradicional brincadeira do sumiço da moeda. “Tá por aí, quem achar ganha um tesouro!” — anunciava o avô, comandando a caçada. O sofá ia pro lado, as toalhas voavam e o baú do canto era aberto como se guardasse os segredos mais secretos do mundo. Sempre tinha algo novo escondido: um brinquedo, um presente ou pistas do esconderijo do tesouro. Chico sabia encantar o jogo e a brincadeira varava a tarde, com os netos rindo e ele assistindo, de olhos mágicos de quem sabia das coisas.
A vida perto do velho Chico, de novo, imitava o rio: ora era calmaria, ora era período de cheia. Numa das noites de calmaria, depois de pitar o cigarro derradeiro, o velho se deitou, deu um longo suspiro e se foi. Morreu sorrindo como quem ouve, ao longe, os primeiros acordes de outro arrasta pé. Ficam, em seu legado, a música, o riso e o amor pela vida, espalhados entre esposa, filhos e netos.
**Esse projeto literário se autodestruirá depois de oito histórias. Todos os protagonistas já faleceram e somente um deles eu conheci. Tem muito de ficção, muito de realidade e um quê bastante concreto da generosidade dos amigos que me contaram suas narrativas. Menos sobre morte, mais sobre a vida que morou na fresta de cada membrana deles.
Uma pausa num dia de cólica para um acalento bonito e dolorido.